por Aleksandr Dugin
Ou Nós - Ou Nada
É possível dividir o bolchevismo enquanto fenômeno histórico em duas partes. Por um lado, o campo doutrinário das várias visões e teorias socialistas e comunistas pré-marxistas existiram como seus paralelos e continuaram sua existência enquanto motivos intelectuais após o marxismo ter sido forçado à ideologia final. Essa primeira fase pode ser chamada de "o projeto bolchevique". A segunda fase é a encarnação desse projeto na realidade histórica concreta na forma da social-democracia russa, posteriormente do partido comunista, e, na fase final, a história do Estado soviético e do partido governante. A primeira parte é indisputavelmente mais ampla do que a segunda e, como qualquer plano, suplanta a segunda. Mas nós não podemos compreender uma sem a outra. A realização não faz sentido, se nós não conhecemos o plano, e um plano sem realização é mera abstração, e suas possíveis realizações podem ir para melhor ou pior em várias circunstâncias.
O nacional-socialismo e o fascismo apresentam um cenário similar. Por um lado nós temos um dogma teórico, uma filosofia, visões econômicas e históricas, todas unificadas por uma perspectiva comum ("o projeto fascista") - por outro lado, as práticas de partidos históricos (nazi e fascista), bem como o organismo estatal da Itália de Mussolini e da Alemanha de Hitler. Porém, há uma diferença básica: o "projeto fascista" da Alemanha e da Itália era muito mais distante de sua encarnação do que o "projeto bolchevique" em relação à realidade soviética.
É bastante sabido, que os partidos e regimes históricos bolcheviques e fascistas se opuseram uns aos outros, e isso resultou em lutas sangrentas, a maior das quais foi a segunda guerra mundial, também conhecida como grande guerra patriótica. Mas essa hostilidade jamais foi absoluta e houve alguns exemplos de fascistas e bolcheviques se unindo mesmo no nível externo, puramente político: o Estado soviético reconheceu de bom grado a ordem fascista na Itália; nacionalistas alemães juntaram forças durante o Caso Schlageter, anunciado por Radek; e finalmente o pacto Molotov-Ribbentrop.
Porém ambos estes projetos possuíam muito mais em comum. Se nós olharmos para o bolchevismo como uma ideologia que inclui o marxismo, mas cruza suas fronteiras (e assim era - afinal, a idéia leninista de "construir o comunismo em um único país" é contrária a Marx), e aplicarmos o mesmo método ao fascismo e ao nazismo (especialmente focando nos ideólogos que estabeleceram as bases para o poder nazista, mas permanecerem em oposição ao regime que eles viam como uma caricatura das próprias perspectivas), nós ficamos obrigados a notar que estes dois projetos tem muito em comum. Na verdade, eles tem tanto em comum que teoricamente seria possível sugerir a existência de uma metaideologia que seria comum a ambos projetos.
Essa única metaideologia que se situa não apenas para além da concretização política do bolchevismo e do fasismo, mas também de suas ideologias políticas, é o Nacional-Bolchevismo em sua essência absoluta. Essa metaideologia jamais foi reconhecida antes por ninguém em sua totalidade. Apenas as mentes mais profundas de ambos campos advinharam intuitivamente que ela existe, tentando expressas essas visões ainda que remotamente.
O Nacional-Bolchevismo não representa as vias pragmáticas dos bolcheviques e dos nacionalistas europeus, condicionadas pela Realpolitik. Nem significa os aspectos idênticos de ambos "projetos". Ele é algo mais profundo que somente poderia aparecer após a queda da encarnação histórica de uma das ideologias - a União Soviética. (A encarnação do projeto fascista caiu há 50 anos).
Esses são os elementos básicos dessa metaideologia:
1 - Consciência escatológica, entendimento claro do fato de que a civilização está finalmente se aproximando de seu fim. Isso nos leva à idéia de restauração escatológica. Há também um esforço para realizar essa Restauração da Idade de Ouro por meios políticos;
2 - A idéia de inadequação das instituições religiosas existentes com objetivos escatológicos - o anti-radicalismo e farisaísmo das religiões tradicionais ocidentais. O espírito de reforma ou "nova espiritualidade" (misticismo, gnosticismo, paganismo);
3 - Ódio pelo mundo moderno, pela civilização ocidental, com suas raízes no espírito do Iluminismo. Identificação do capitalismo imperialista cosmopolita com o mal global extremo. Pathos anti-burguês;
4 - Interesse pelo Oriente e desagrado em relação ao Ocidente. Orientação geopolítica em direção à Eurásia;
5 - Ascetismo espartano (prussiano). Pathos do Trabalho e do Trabalhador. A idéia básica da origem espiritual primária entre o povo, entre os níveis mais baixos que tem estado a salvo da devassidão dos últimos poucos séculos, em comparação com a elite degenerada dos velhos regimes. O princípio de "nova aristocracia", emergindo a partir das massas do povo;
6 - Compreender o povo e a sociedade como um coletivo fraternal orgânico, baseado na solidariedade moral e espiritual. Negação radical do individualismo, do consumismo e da exploração. Esforço de levar todos os povos ao estado da "Idade de Ouro";
7 - Desagrado em relação às tradições culturais, religiosas e econômicas de origem semítica (judaísmo, islã), opondo a elas as tradições indo-europeias, já que a classe social dos "comerciantes" (com sua mentalidade) não existia enquanto tal;
8 - Prontidão para se sacrificar por esse ideal pelo que ele vale. Ódio pela mediocridade e pelo pequeno-burguesismo. Claro espírito revolucionário.
Todos os elementos previamente enumerados podem ser encontrados em qualquer dogma concreto (fascista ou bolchevique). Eles podem variar segundo ideologia ou autor, e podem até mesmo aparecer junto com outras idéias que podem contradizer outros pontos.
Os nacional-bolcheviques históricos (Niekisch, Ustryalov, Tierieard) intuitivamente se aproximaram desse complexo, mas até mesmo eles se desviaram do caminho: Niekisch viu um sentido positivo na tecnologia e no progresso, Ustryalov flertou com o NEP e desconhecia o sentido da Alemanha para a Rússia, Tierieard negou o esoterismo e a religião, permanecendo um materialista pragmático.
O nacional-bolchevismo é de longe o fenômeno mais interessante do século XX. Ele adotou tudo que nos fascina no bolchevismo ou no fascismo. O que quer que tenha levado essas ideologias a um fim, contradiz o espírito dessa doutrina virtual.
O nacional-bolchevismo nos ajuda a compreender em que os regimes anti-liberais de nosso século erraram e por que eles estavam fadados a falhar. Essa análise é leal ao passado, quando chega ao nosso tempo, em que a "nova" direita e a "nova" esquerda são pouco mais do que paródias do que mesmo em seu próprio tempo eram meras paródias do nacional-bolchevismo virtual.
A ideologia nacional-bolchevique está livre de todos os crimes do passado. Os nacional-bolcheviques históricos culparam os nazistas e comunistas de perverter as teorias, e se tornarem assim vítimas do Moloch totalitário. Como a doutrina está assumindo forma somente agora, mesmo este argumento não pode ser o mais decisivo.
O nacional-bolchevismo é aquilo que jamais foi. Ele jamais foi posto em prática, e nem mesmo em teoria. O nacional-bolchevismo está por vir. Por vir, na medida em que essa doutrina será um santuário ideológico e metafísico para aqueles que negam o mundo moderno, o sistema do capitalismo liberal que se tornou a única base da sociedade moderna. A oposição durará para sempre. As velhas ideologias anti-burguesas já demonstraram suas limitações. Erros teóricos mais cedo ou mais tarde resultaram em uma queda histórica. Quem não entende isso, não possui lugar na história.
A única alternativa para o mundo moderno, esse império do anticristo "liberal", é o nacional-bolchevismo.
Ou isso, ou nada. Nenhum compromisso mudará as coisas. Se o sistema sobreviveu ao orgulhoso Reich e à grande União Soviética (destruindo as monarquias tradicionais e impérios antes desses dois), ele pode lidar sem problemas com partidos políticos e extremistas armados.
A questão é que o nacional-bolchevismo possui sua própria linha espiritual, sobre a qual falar agora seria ainda extemporâneo. Essa é uma alternativa secreta que se posicionará contra o "segredo da ilegalidade" durante os tempos finais. Sem essa força, os experimentos bolcheviques e fascistas foram impotentes. Apenas após uma certa distorção dos instrumentos da política essa força abandonou os já citados movimentos, abandonando-os para que o destino lidasse com eles em face do "Mestre do Universo", representando claramente a sociedade liberal. Há sinais que nos dizem que essa força assumiu recentemente uma nova forma (final) que realizará sua natureza.
Eu creio que alguns talvez já advinhem sobre o que eu estou falando.
Fonte: Legio Victrix