terça-feira, 21 de outubro de 2014

Metafísica do Nacional-Bolchevismo

por Aleksandr Dugin




1.       A definição adiada

   O termo "Nacional-Bolchevismo " pode significar várias coisas completamente diferentes. Ele surgiu praticamente ao mesmo tempo na Rússia e na Alemanha para significar as suposições de alguns pensadores políticos sobre o caráter nacional da revolução bolchevique de 1917, escondido na fraseologia marxista ortodoxa internacionalista. No contexto russo "nacional-bolcheviques" era um nome comum para os comunistas, que tentaram proteger a integridade do Estado e (conscientemente ou não) continuaram a grande missão geopolítica histórica russa. Os nacional-bolcheviques russos, tanto entre os "brancos" (Ustrialov, Smenovekhovtsy, Eurasianos de Esquerda) e entre os "vermelhos" (Lenin, Stalin, Radek, Lezhnev etc) (1) Na Alemanha, o fenômeno análogo foi associado com formas extremamente esquerdistas de nacionalismo dos 20s-30s, em que as idéias do socialismo não-ortodoxo, a Idéia Nacional e uma atitude positiva em relação a União Soviética foram combinados. Entre os nacional-bolcheviques alemães Ernst Niekiesch foi sem dúvida o mais consistente e radical, embora alguns revolucionários conservadores também possam ser referidos a este movimento, tais como Ernst Jünger, Ernst von Salomon, August Winnig, Karl Petel, Harro Schultzen-Beysen, de Hans Zehrera, os comunistas Laufenberg e Wolffheim, e mesmo alguns Nacional-Socialistas extremamente esquerdistas, tais como Strasser e, durante um determinado período, Joseph Goebbels.

   Na verdade, o termo "nacional-bolchevismo" é muito mais extenso e profundo, que as tendências políticas listadas. Mas, para compreendê-lo adequadamente, devemos examinar os problemas globais mais teóricos e filosóficos, a respeito da definição de "direita" e "esquerda", do "nacional" e do "social". A palavra nacional-bolchevismo contém um paradoxo deliberado. Como podem duas noções mutuamente exclusivas serem combinadas em um único e mesmo nome?

   Independentemente do quão longe foram as reflexões dos nacional-bolcheviques históricos, que certamente foram limitadas pelas especificidades conjunturais, a idéia de aproximação do nacionalismo a partir da esquerda, e do bolchevismo a partir da direita é extremamente fértil e inesperada, abrindo horizontes absolutamente novos de compreensão da lógica da história, do desenvolvimento social, e do pensamento político.

   Não devemos começar a partir de uma coleção de fatos políticos concretos: Niekiesch escreveu isso, Ustrialov avaliou algum fenômeno de tal forma, Savitskiy apresentou tal argumento, etc, mas tentaremos olhar o fenômeno a partir de um ponto de vista inesperado: aquele mesmo que tornou possível a combinação “nacional” e “bolchevique”. Então nós seremos capazes não apenas de descrever este fenômeno, mas também de compreendê-lo e, com sua ajuda, muitos outros aspectos de nosso tempo paradoxal.

 2. . A inestimável contribuição de Karl Popper

   É difícil imaginar algo melhor para a difícil tarefa de definir a essência do "nacional-bolchevismo", do que uma referência às pesquisas sociológicas de Karl Popper, e especialmente à sua obra fundamental:  "A Sociedade Aberta e seus Inimigos". Neste trabalho volumoso Popper propõe um modelo bastante convincente, segundo o qual todos os tipos de sociedade são divididos em dois tipos principais - "Sociedade Aberta" e "Sociedade Não-Aberta" ou "Sociedade dos Inimigos da Sociedade Aberta". Segundo Popper, a "Sociedade Aberta" é baseada no papel central de um indivíduo e nos seus principais traços característicos: a racionalidade, o comportamento do tipo passo-a-passo (discrição), ausência de teleologia global em suas ações, etc. O sentido de uma "Sociedade Aberta" é que ela rejeita todas as formas de Absoluto, que são não-comparáveis com a individualidade e sua natureza. Tal sociedade é "aberta" apenas por causa do simples fato de que as combinações de variedades "de átomos individuais não têm um limite (assim como qualquer propósito ou sentido) e, teoricamente, tal sociedade deve ter por objetivo a realização de um equilíbrio dinâmico ideal. Popper também considera-se como um adepto convicto da "sociedade aberta".

   O segundo tipo de sociedade é definido por Popper como "hostil à sociedade aberta". Ele não o chama de "fechada", prevendo possíveis objeções, mas freqüentemente usa o termo "totalitária". No entanto, segundo Popper, apenas baseando-se na aceitação ou rejeição do conceito de uma "sociedade aberta" todas as doutrinas políticas, sociais e filosóficas estão classificadas.

   Os inimigos da "Sociedade Aberta" são aqueles que, propõem (proclamam, apresentam) modelos teóricos variados (diferentes) baseados no Absoluto contra o indivíduo e seu papel central. O Absoluto, mesmo sendo instituído de forma espontânea e voluntária, de imediato se intromete na esfera individual, altera radicalmente o processo de sua evolução, viola (exercita coerção sobre) a integridade atomística do indivíduo, submetendo-o a algum impulso externo individual. O indivíduo é imediatamente limitado pelo Absoluto, portanto, a sociedade das pessoas perde a sua qualidade de "exposição (abertura)" e a perspectiva de desenvolvimento livre em todas as direções. O Absoluto dita os objetivos e tarefas, estabelece dogmas e normas, viola (compele) o indivíduo, como um escultor coage o seu material.

   Popper inicia a genealogia dos inimigos da “Sociedade Aberta” com Platão, a quem ele considera como um dos fundadores da filosofia do totalitarismo e como o pai do "obscurantismo ". Além disso, ele passa por Schlegel, Schelling, Hegel, Marx, Spengler e outros pensadores modernos. Todos eles são unificados em sua classificação por uma indicação, que é a introdução à metafísica, à ética, à sociologia e à economia, com base em princípios, que negam a "sociedade aberta" e o papel central do indivíduo. Popper tem toda a razão neste ponto.

   O mais importante na análise de Popper é o fato de que os pensadores e os políticos são colocados na categoria dos "inimigos da sociedade aberta", independentemente de suas convicções serem de "direita" ou "esquerda", "reacionárias" ou "progressistas". Ele acentua alguns outros critérios, mais substanciais e fundamentais, unificando em ambos os pólos idéias e filosofias que à primeira vista parecem ser os mais heterogêneos e opostos uns ao outros. Marxistas, assim como os conservadores e os fascistas, e até mesmo alguns social-democratas podem ser contados entre os "inimigos da sociedade aberta". Ao mesmo tempo, os liberais como Voltaire ou pessimistas reacionários, como Schopenhauer podem ser classificados entre os amigos da sociedade aberta.

   Assim, a fórmula de Popper é assim: ou "sociedade aberta" ou "seus inimigos".


 3. A Santa Aliança do objetivo

   A definição mais feliz e completa do nacional-bolchevismo será a seguinte: "O nacional-bolchevismo é uma superideologia, comum a todos os inimigos da sociedade aberta". Não é apenas uma das ideologias hostis a tal sociedade, mas é exatamente a sua antítese plena e consciente, total e natural. O nacional-bolchevismo é uma espécie de ideologia, que é construída sobre a negação completa e radical do indivíduo e do seu papel central; e na qual o Absoluto, em nome do qual a pessoa é negada, tem o sentido mais extenso e comum. Ousaremos dizer que o nacional-bolchevismo justifica qualquer versão do Absoluto, qualquer refutação da "sociedade aberta". No nacional-bolchevismo há uma tendência óbvia para universalizar o Absoluto a qualquer custo, para fazer avançar uma ideologia e um programa político tais que seriam a personificação de todas as formas intelectuais hostis à Ssociedade aberta ", reconhecendo um denominador comum e integrando um bloco conceitual e político indivisível.

   Claro que, ao longo da história as diferentes tendências, que eram hostis à sociedade aberta, também foram hostis entre si. Os comunistas negam indignados sua semelhança com os fascistas, e os conservadores negam-se a ter qualquer coisa a ver com ambas as tendências acima referidas. Praticamente, nenhum dos "inimigos da sociedade aberta", admitiu sua relação com as ideologias análogas, considerando as comparações como  críticas pejorativas. Ao mesmo tempo, as diferentes versões de "sociedade aberta" se desenvolveram em estreira união recíproca, sendo claramente consciente de suas relações ideológicas e filosóficas. O princípio do individualismo poderia ter unido a monarquia protestante inglesa com o parlamentarismo democrático da América do Norte, onde o liberalismo no início foi graciosamente combinado com o escravagismo.

   O nacional-bolcheviques foram exatamente os primeiros a tentar agrupar as diferentes ideologias hostis à "sociedade aberta"; eles revelaram aquele eixo comum que, ao parecer de seus opositores ideológicos, reunia em torno a si todas as alternativas possíveis ao individualismo e à sociedade por ele fundada.

Os primeiros nacional-bolcheviques históricos construíram sua teoria sobre a base daquele impulso profundo e quase de todo irreflexivo. O alvo da crítica nacional-bolchevique foi o individualismo, de “direita” tanto como de “esquerda”. Na “direita”, o individualismo se expressava na economia, na “teoria do livre-mercado”; na esquerda, no liberalismo político: a “sociedade igualitária”, a ideologia dos “direitos humanos”, e similares.

   Em outras palavras, o nacional-bolcheviques compreenderam além das ideologias a essência de sua posição metafísica e a de seus adversários.

   Em linguagem filosófica, o "individualismo" é praticamente identificado com o "subjetivismo". Se aplicássemos uma leitura da estratégia nacional-bolchevique a este nível, poderíamos afirmar que o nacional-bolchevismo é completamente contrário ao "subjetivo" e completamente favorável ao "objetivo". A questão então não se po~e nos termos materialismo ou idealismo, mas sim nos termos idealismo objetivo e materialismo objetivo (de um lado da barricada) ou idealismo subjetivo e materialismo subjetiva (do outro).

   Assim, a a filosofia política do nacional-bolchevismo afirma a unidade natural das ideologias fundadas sobre a posição central do objetivo, ao qual se confere um status idêntico a aquele do Absoluto, independentemente de como seja interpretado esse caráter objetivo. Podemos dizer que a máxima metafísica suprema do nacional-bolchevismo é a fórmula hinduísta "O Atman é Brahman". No hinduísmo "Atman" é o ser humano supremo,  transcendente e indiferente ao “ego” individual, porém ao mesmo tempo interno a este último como sua parte mais íntima e misteriosa,  fugidia aos condicionamentos do imanente. O "Atman" é o Espírito interno, em seu sentido objetivo e supraindividual. O "Brahman" é a Realidade Absoluta, abarcando o indivíduo desde o exterior, o caráter objetivo elevado a sua fonte primária e suprema. A identidade de "Atman" e "Brahman" na sua unidade transcendente é a coroa da metafísica hinduísta e, o que é acima de tudo, é a base do caminho da realização espiritual. Este é o ponto comum de todas as doutrinas sagradas, sem qualquer exceção. Em todos elas se apresenta a questão da finalidade fundamental da existência humana, da superação do “Si Mesmo”, da expansão à outros limites do pequeno “ego” individual; o caminho que se distancia deste “ego”, interior ou exterior, conduz ao mesmo êxito vitorioso. Daí decorre o paradoxal da tradição iniciática, expresso na frase famosa do evangelho: "quem queira ganhar sua vida, a perderá". O mesmo sentido está contido na genial afirmação de Nietzsche: "O humano é aquilo que deve ser superado". O dualismo filosófico entre o "subjetivo" e "objetiva" influenciou todo o curso da história na esfera mais concreta da ideologia, seguindo as especificações da política e do ordenamento social. As diferentes versões da filosofia "individualista" se concretizaram progressivamente no campo ideológico do liberalismo e da política liberal-democrática. Este é o modelo da “sociedade aberta” sobre a qual Popper escreveu. A "sociedade aberta" é o último e mais maduro fruto do individualismo tornado ideologia e sendo cumprid em uma política concreta. É por isso que nos obrigamos a desenvolver o problema de um modelo máximo comum ideológico para os autores da percepção “objetiva”, de um programa socio-político universal para os “inimigos da sociedade aberta”. Como resultado, não vamos adquirir outra coisa senão o nacional-bolchevismo.

   Em paralelo à inovação radical dessa filosofia discriminante, operada verticalmente em relação aos esquemas habituais (como idealismo-materialismo), os nacional-bolcheviques assinalam uma nova linha demarcadora na política. Tanto a esquerda como a direita são divididas em dois setores. A extrema-esquerda (comunistas, bolchevistas, “hegelianos de esquerda”), vêm a se combinar na síntese nacional-bolchevique com os nacionalistas extremistas, estatistas, sustentadores da Idéia do “Novo Medievo”, em breve, com todos os “hegelianos de direita”.

Os inimigos da “Sociedade Aberta” retornaram ao seu terreno metafísico comum.


 4. . A Metafísica do Bolchevismo, ou Marx visto a partir da Direita

   Agora vamos esclarecer o modo de entender os dois componentes da expressão “nacional-bolchevismo” em um significado puramente metafísico.

   O termo "bolchevismo" apareceu pela primeira vez, como é sabido, durante os debates no seio do POSDR (Partido Operário Social-Democrata Russo) para definir a facção que se situou junto às teses de Lênin. Vamos lembrar que a política de Lênin no âmbito da social-democracia russa consistiu na orientação para um radicalismo ilimitado, uma recusa aos compromissos, e na acentuação do caráter elitista do partido e no "blanquismo", ou teoria da conspiração revolucionária. Mais tarde, as pessoas que fizeram a Revolução de Outubro e tomaram o poder na Rússia foram chamados de "bolcheviques". Quase imediatamente após a revolução, porém, o termo perdeu seu significado circunscrito e passou a ser entendido como sinônimo de “majoritário”, de “política pan-nacional”, de “integração nacional” ("bolchevique", em russo, pode traduzir-se aproximadamente como "representante da maioria"). Chegou-se assim a uma fase na qual o “bolchevismo” foi percebido como uma versão nacional, puramente russa, do comunismo e do socialismo, em contraposição às abstrações dogmáticas dos marxistas e, ao mesmo tempo, das táticas conformistas das outras tendências social-democratas. Essa interpretação de "bolchevismo" foi, em grande medida, característica para a Rússia e foi aquela que predominou no Ocidente. No entanto, a menção de "bolchevismo" em relação ao termo “nacional-bolchevismo” não se limita a este significado histórico. Estamos na presença de uma certa política, que é comum para todas as tendências da esquerda radical de caráter socialista e comunista que podemos definir como "radical", "revolucionário", "anti-liberal". A referência é a aquele aspecto da teoria da esquerda que Popper define como “ideologia totalitária” ou como “teoria dos inimigos da Sociedade Aberta”. Assim, o "bolchevismo" não é apenas uma conseqüência da influência mentalidade russa sobre uma doutrina social-democrata. É um determinado componente que está constantemente presente em toda a filosofia de esquerda, que poderia desenvolver-se livremente e abertamente à margem das condições na rússia de 1917.

   Nestes últimos dias a maioria dos historiadores mais objetivos cada vez mais freqüentemente levantam uma pergunta: "A ideologia fascista é realmente de direita?” E a presença de tal dúvida, naturalmente, aponta para uma possibilidade de interpretação do "fascismo", como um fenômeno mais complexo, possuindo uma grande quantidade de características tipicamente de "esquerda". Tanto quanto sabemos, a questão análoga - "A ideologia comunista é realmente “de esquerda”? - não é levantada ainda. Mas essa questão se faz urgente: é necessário cubrir esta demanda.

   É difícil negar ao comunismo traços característicamente “de esquerda” - como o apelo à racionalidade, ao progresso, ao humanismo, ao igualitarismo e etc. Porém, ao lado destes, apresenta aspectos que se mostram, sem sombra de dúvida, à margem de um marco de “esquerda” e que se associam à esfera do irracional, do anti-humanismo e do totalitarismo. Estes são em seu conjunto os elementos de “direita” presentes na ideologia comunista, que definimos como “bolcheviques” em seu sentido mais geral. Antes, no próprio marxismo, aparecem dois elementos suspeitos, desde o ponto de vista progressista, de serem “realmente” de “esquerda”. Trata-se da herança dos socialistas utópicos franceses e do hegelianismo de esquerda. Somente a ética de Feuerbach contrasta com a essência “bolchevique” da construção ideológica de Marx, conferindo ao conjunto inteiro uma terminologia humanista e progressista.

   Os socialistas utópicos, os quais foram, sem dúvida, incluídos por Marx no conjunto de seus antecessores e professores, são os representantes de um particular messianismo místico e predecessores de um “retorno à Idade de Ouro”. Praticamente, todos eles eram membros de sociedades esotéricas, fortemente impregnadas de uma atmosfera de misticismo, escatologia e previsões apocalípticas. Um universo no qual se intercalavam motivos sectários e ocultismos religiosos, cujo sentido se reduzia ao seguinte esquema: “O mundo moderno é intrínsecamente maligno, pois perdeu a dimensão do sagrado. As instituições religiosas são corruptas e perderam a benção de Deus (um tema comum entre as seitas extremistas protestantes, como os anabatistas e os “velhos crentes” russos). O mundo está governado pelo mal, pelo engano, pelo materialismo, e pelo egoísmo. Porém, nós iniciados, sabemos do próximo retorno de uma Idade de Ouro, e a favoreceremos com rituais enigmáticos e ações ocultas”.

   Os socialistas utópicos projetaram este modelo, comum ao esoterismo messiânico ocidental, sobre a realidade social, e revestiram de reflexos políticos e sociais o século áureo do porvir. Certamente, era uma tentativa de racionalização do mito escatológico, porém ao mesmo tempo era uma intromissão na política do caráter sobrenatural do Reino vindouro, do “Regnum”, e evidentemente em seus programas sociais e em seus manifestos, onde não é difícil encontrar descrições das maravilhas da futura sociedade comunista (navegantes que cavalgariam no lombo de golfinhos, manipulação das condições metereológicas, comunidade de esposas e liberdade sexual, vôos humanos, etc.). É absolutamente evidente o caráter quase-tradicional dessa direção política: um misticismo escatológico radical, a idéia do retorno às Origens, que justificam plenamente a classificação dessa componente não apenas à “direita”, mas inclusive à “extrema direita”.

   Agora cheguemos a Hegel e a sua dialética. É amplamente conhecido que as convicções políticas pessoais do filósofo foram extremamente reacionárias. Porém essa não é a questão. Se examinamos o fundamento metodológico da dialética hegeliana (e foi precisamente o método dialético do que Marx tomou emprestado, em ampla medida, de Hegel), descobriremos uma doutrina perfeitamente tradicionalista, inclusive escatológica, que faz uso de uma terminologia específica. Ademais, tal terminologia reflete a estrutura da aproximação iniciática, esotérica, aos problemas epistemológicos, bem distante da lógica profana de Descartes e Kant; estas teriam por fundamento o “sentido comum”, as especificações epistemológicas daquela “consciência da vida quotidiana” da qual (vale a pena anotá-lo) todos os liberais, e em particular Karl Popper, são apologistas.

   A Filosofia da História de Hegel é uma versão do mito tradicional, integrado em uma teleologia puramente cristã. A Idéia Absoluta, alienada de si mesma, torna-se o mundo (Lembremos a fórmula do Corão: "Deus era um tesouro escondido, que queria ser descoberto.").

   Encarnando-se ao longo da história, a Idéia Absoluta exerce uma influência desde o exterior sobre os omens, como “astúcia da Razão”, predeterminando o caráter providencial da trama dos eventos. Para tal fim, mediante o advento do Filho de Deus, a perspectiva apocalíptica da realização total da Idéia Absoluta se desvela ao nível subjetivo, que, por efeito daquele, de “subjetivo” se faz “objetivo”. “O Ser e a Idéia são uma mesma coisa”, quer dizer: “O Atman é Brahman”. Isso devém em um determinado Reino particular, em um Império do Fim que o nacionalista alemão Hegel identificou com a Prússia.

   A Idéia Absoluta é a tese, a sua alienação ao longo da história é a antítese, a sua realização no Reino escatológico é a síntese.

  A epistemologia de Hegel é baseada nessa visão ontológica. Para além da racionalidade comum, que é baseada nas leis da lógica formal, trabalha apenas com afirmações positivas e se limita às relações atuais causa/efeito- a "nova lógica" de Hegel toma como objeto aquela especial dimensão ontológica do coisa, integrada em seu aspecto potencial, inacessíveis para a "consciência da vida cotidiana", mas amplamente utilizada nas correntes místicas de Paracelso, Jakob Boehme, os hermetistas e a Rosacruz. O fato de um sujeito ou uma afirmação (a que se reduz a epistemologia “quotidiana” de Kant)é para Hegel apenas uma dos três hipóstases. A segunda hipóstase é a "negação" daquele fato, entendida não como puro nada (do ponto de vista da lógica formal), mas como um modo particular de existência supraintelectual de algo ou de uma afirmação. A primeira hipóstase é o "Ding für uns" (a coisa para nós); a segunda hipóstase o"Ding an sich” (coisa em si). Mas, ao contrário da perspectiva kantiana, a "coisa em si" não é interpretada como algo transcendente e puramente apofático, não como uma perspectiva epistemológica do não-ser, mas como um ser-de-outro-modo epistemológico. E ambas hipóstases relativas desembocam na Terceira, a síntese, que abarca tanto a afirmação como a negação, a tese tanto como a antítese. Assim, considerando o processo do pensamento em sua coerência, a síntese tem lugar após a "negação", enquanto segunda negação ou “negação da negação”. Na síntese se complementam tanto a afirmação como a negação. O coisa co-existe com sua própria morte, que de acordo com uma determinada perspectiva ontológica e epistemológica não é vista como vazio, mas como outro-modo-de-ser da vida, alma.

O pessimismo epistemológico de Kant, seguindo a meta-ideologia liberal,  é derrubada, é descoberta como "imprudência", e o "Ding an sich (coisa em si) torna-se "Ding für sich (coisa para si). A razão do mundo e o próprio mundo são combinados na síntese escatológica, onde a existência e a inexistência estão presentes, não se excluindo mutuamente. O Reino Terreno do Fim, dirigido pela casta dos Iniciados (o ideal da Prússia) será integrado com a Nova Jerusalém descida à Terra. Será o Fim da História e o início da Idade do Espírito Santo.

Este cenário messiânico escatológico foi tomado emprestado por Marx e aplicado a uma outra esfera, a esfera das relações económicas. Uma pergunta interessante: Por que Marx fez uma coisa dessas? A "direita" está pronto para responder citando sua "falta de idealismo", sua "natureza rude" (se não tentativas subversivas). Explicações surpreendentemente simplistas, que têm mantido a sua polaridade no decurso de várias gerações de reacionários. Mais provavelmente, Marx, que exaustivamente estudou a economia política inglesa, foi seduzido pela semelhança entre as teorias liberais de Adam Smith, que vêem a história como um movimento progressivo na direção da sociedade de livre mercado e da universalização de um denominador comum monetário, e o conceito hegeliano que expressa a antítese histórica, ou seja, a alienação da Idéia Absoluta na história. De modo genial, Marx identificou a máxima alienação do Absoluto no Capital.

Da análise da estrutura do capitalismo e de sua evolução histórica Marx extraiu o conhecimento dos mecanismos de alienação, a fórmula alquímica das suas regras de funcionamento. E esse entendimento mecânico, as fórmulas da antítese, foi apenas a primeira e necessária condição para a Grande Restauração após a Última Revolução. Para Marx, o Reino do comunismo por vir não era apenas o progresso, mas o êxito final, a "revolução" no sentido etimológico do termo. Não por acaso o próprio Marx definiu a primeira etapa da humanidade como "comunismo das cavernas." A tese é o "comunismo das cavernas", a antítese é o Capital, a síntese é o comunismo mundial. Comunismo é sinônimo de Fim da História, de Era do Espírito Santo. O materialismo, focando sobre as relações económicas e industriais, não testemunha o interesse de Marx pela praxis, mas sua busca pela transformação mágica da realidade e rejeição radical dos sonhos de compensação de todos os sonhadores irresponsáveis que não fazem mais que agravar o elemento de alienação por sua inação. De acordo com uma lógica semelhante, os alquimistas medievais poderiam ser rotulados como "materialistas" e sedento de riquezas para aqueles que não levam em conta o seu simbolismo profundamente espiritual e iniciático que está contido em seus discursos sobre a destilação da urina, a transmutação de ouro em chumbo e sobre a transformação dos minerais em metais.

Essas tendências gnósticas presentes em Marx e seus predecessores foram coletados pelos bolcheviques russos, alimentadas em um ambiente onde a força enigmática das seitas russas, o messianismo nacional, as sociedades secretas e os tratados apaixonantes e românticos dos rebeldes formaram o fermento contra um regime monárquico alienado, secularizado e degenerado. Moscou era a "Terceira Roma," o povo russo era um povo deíforo (Portador de Deus); a Rússia estava destinada a salvar o mundo: todas essas idéias estavam permeabilizadas no cotidiano do povo russo, em sintonia com a tendência de escolher um tema esotérico no marxismo. Mas, confrontado com fórmulas estritamente espirituais, o marxismo ofereceu uma estratégia econômica, política e social, clara e concreta, compreensível para as pessoas comuns e apta a formar uma base à disposição de sua natureza social e política.

Foi esse "marxismo de Direita", que triunfou na Rússia sob o nome de "bolchevismo". Mas isso não significa que se trate de uma questão apenas da Rússia: tendências semelhantes se apresentaram em partidos comunistas de todo o mundo, quando estes não se degradaram ao nível da social-democracia no espírito liberal parlamentar. Assim, não é de surpreender que o socialismo revolucionário triunfou plenamente, além de Rússia, nos países do Extremo Oriente: China, Coréia, Vietnã, etc. Precisamente aqueles povos e nações mais tradicionais e menos progressistas e "modernos" (isto é, menos "alienados do Espírito), os mais à "direita ", que reconheceram no comunismo uma essência mística, espiritual, "bolchevique".

O Nacional-Bolchevismo tomou como própria esta tradição bolchevique, esse "comunismo de direita" cujas origens faziam referência às antigas sociedades iniciáticas e às doutrinas espirituais de tempos remotos. O aspecto econômico do comunismo não veio aqui negado, mas é considerado como um meio da prática teúrgica, mágica, como um instrumento particular para a transformação social. A única coisa que parece inadequada e ultrapassada no discurso marxista, em que aparecem os temas acidentais e obsoletos do humanismo, é o progressismo.

O marxismo dos nacional-bolcheviques equivale a Marx menos Feuerbach, isto é, menos aquele humanismo inercial que agora emerge no mundialismo globalizador.

METAFÍSICA DA NAÇÃO

Naturalmente, o outro componente do "nacional-bolchevismo" merece ser explicado. O conceito de "nação" não é nada simples, sua interpretação pode ser biológica, política, cultural, econômica. O nacionalismo pode significar a exaltação da "pureza racial" ou a "homogeneidade étnica", como a agregação de indivíduos atomizados, a fim de garantir um "optimum" de condições econômicas em uma pequena área geográfica.

O componente "nacional" do nacional-bolchevismo (em seu sentido quer histórico, quer meta-histórico, absoluto) é especial. No curso da história, os círculos Nacional-Bolcheviques se distinguiram pela tendência de ler o conceito de nação no seu sentido imperial, geopolítico. Para os seguidores de Ustryalov, os “eurasianos de esquerda”, para não falar dos nacional-bolcheviques soviéticos, o “nacionalismo” é super-étnico, está associado ao messianismo geopolítico, ao “lugar de desenvolvimento”, à cultura, ao fenômeno-nação à escala continental. Também nos escritos de Niekisch e os seus adeptos alemães acha-se a idéia de império continental "de Vladivostok à Flessing" com a idéia da "Terceiro Figura Imperial" (Das Dritte imperiale Figur).

Em todos os casos, trata-se da questão da interpretação geopolítica e cultural da nação, sem o menor traço de racismo ou de uma visão de "pureza étnica".

Esta leitura cultural e geopolítica da "Nação" é baseada no dualismo geopolítico que nas obras de Halford Mackinder encontrou a sua primeira forma clara e deu lugar à escola de Haushofer e dos “eurasianos” russos. A agregação imperial das nações do Leste, reunidos em torno à Rússia constitui o possível esqueleto da nação continental, consolidada na escolha "ideocrática" e na rejeição da plutocracia, de uma direção revolucionária socialista contra o capitalismo e "progresso".

Significativamente Niekisch insistiu em dizer que na Alemanha, o "Terceiro Reich" deveria ser construído em torno de um prussianismo, protestante e potencialmente socialista, geneticamente e culturalmente ligados à Rússia e ao mundo eslavo, e não sobre a Baviera católica e ocidental gravitando em torno da órbita do modelo capitalista. Mas, com esta versão "com dimensões continentais" de nacionalismo que corresponde exatamente às demandas específicas messiânicas universais específicas do nacionalismo escatológico e ecumênico russo, também existe no nacional-bolchevismo uma interpretação mais restrita, que, em relação à escala continental, não se apresenta como uma contradição, mas sim como sua definição em um nível inferior.

Neste último caso, a nação é compreendida em analogia ao conceito de "narod" (povo-nação) interpretado pelos "narodniki" (populistas) russos, ou seha: como uma entidade integral, orgânica, em sua essência, refratário a qualquer subdivisão anatômica, que tem um destino específico e uma estrutura única.

Segundo a doutrina tradicional, um certo Anjo, um determinado ser celestial, é responsável pela vigilância de todas as nações da terra. Este anjo é o sentido histórico da nação em particular, o destino além do tempo e espaço, mas sempre presente nas vicissitudes históricas da nação. O Anjo da nação não é algo vago e sentimental, nebuloso, mas uma essência intelectual brilhante, um “pensamento de Deus”, como Herder diz. A estrutura é visível em conquistas históricas da nação, nas instituições sociais e religiosas que a caracterizam ,na cultura. A estrutura toda da história nacional nada mais é que o texto da narrativa da qualidade e da forma desse Anjo brilhante nacional. Nas sociedades tradicionais o Anjo da nação se manifesta de forma pessoal na "Re Divini", nos grandes heróis, sábios e santos, ainda quando sua realidade sobre-humana o torna independente de seu hospedeiro humano. Portanto, uma vez caídas as dinastias monárquicas, pode se encarnar de forma coletiva , em uma ordem, em uma classe, em um partido.

Assim, a nação, entendida como categoria metafísica não se identifica com a multidão de indivíduos específicos com o mesmo sangue ou que falam a mesma língua, mas com a misteriosa entidade angélico que se manifesta al longo de toda a sua viagem histórica. É o análogo da Idéia Absoluta de Hegel, porém em forma minúscula. A inteligência nacional, resulta da multiplicidade de seu povo e, novamente, em seu aspecto concreto, consciente, "finalizado" - na elite nacional no curso de determinados períodos escatológicos da história.

Estamos em um ponto muito importante: essas duas interpretações da "nação", ambas aceitáveis para a ideologia nacional-bolchevique, têm um denominador comum, um momento mágico em que ambos se baseiam. Trata-se da Rússia e da sua missão histórica. É significativo que no nacional-bolchevismo alemão a "russofilia" desempenhou o papel como a pedra angular sobre a qual construir seu ponto de vista político, social e econômico. A interpretação russa (e em grande medida soviética) da "nação russa", como comunidade mística aberta, destinada a levar a luz da salvação e da verdade para o mundo na época do fim dos tempos; nessa visão se fundem tanto a concepção do grã-continental, como a histórico-cultural da Nação. Nesta perspectiva,o nacionalismo russo e soviético torna-se o fulcro ideológico do nacional-bolchevismo, não só nos confins da Rússia e da Europa Oriental, mas em um nível global. O Anjo da Rússia se desvela qual Anjo da integração, como ser luminoso particular que busca unir teologicamente as outras essências angélicas no interior de si, sem cancelar a individualidade de cada um, porém elevando-os à escala imperial universal. Não é por acaso que Erich Müller, discípulo e colaborador de Ernst Niekisch havia escrito em seu livro intitulado "Nacional-Bolchevismo”: "Se o Primeiro Reich foi católico, e o Segundo Reich protestante, o Terceiro Reich deverá ser ortodoxo, ortodoxo e soviético."

No caso concreto, estamos diante de uma questão extremamente interessante. Se os anjos das nações são indivíduos diferentes, os destinos das nações, no decurso da história, e sua formação social, política e religiosa refletem as forças do mundo angélico. E o que é mais fascinante: essa idéia, absolutamente teológica, e brilhantemente confirmada pela análise geopolítica, mostra a interrelação entre as condições de existência geográficas, territoriais, das nações, e sua cultura, psicologia, e até mesmo as suas inclinações políticas e sociais . Assim assume gradual explicação o dualismo entre o Oriente e o Ocidente, e até mesmo o dualismo étnica: a terra, a Rússia “ideocrática” (o mundo eslavo além de outros grupos étnicos da Eurásia) contra a ilha, o Ocidente anglo-saxão plutocrático. A ordem angelical da Eurásia contra a armada atlântica do capitalismo. A verdadeira natureza do "Anjo" do capitalismo (que segundo a tradição tem o nome de Mammon) não é difícil de adivinhar.

O Tradicionalismo, ou Evola visto a partir da Esquerda

Quando Karl Popper "desmascara os inimigos da sociedade aberta", faz uso constante do termo "irracional". É lógico, porque a "sociedade aberta" é baseada no primado da razão e dos princípios da "consciência comum". Em princípio, os escritores mais abertamente anti-liberais tendem a se justificar e a objetar a acusação de "irracionalidade". O nacional-bolcheviques conscientemente aceitam o esquema de Popper, aceitando essa acusação, mesmo quando expressam uma avaliação completamente oposta. As principais motivações dos "inimigos da sociedade aberta" e seus oponentes mais vocais e consistentes, o nacional-bolcheviques, não nascem no sol do racionalismo. Nesta questão, é essencial que trabalhamos escritores tradicionalistas, e em primeiro lugar de René Guènon e Julius Evola.

Tanto na obra de Guénon como na de Evola se expõe a mecânica do processo cíclico, em que a corrupção do elemento Terra (e da consciência humana correspondente), a profanação da civilização e o "racionalismo" moderno, com todas as suas conseqüências lógicas, são considerados como um dos estágios de degeneração. O irracional não é interpretado pelos tradicionalistas como uma categoria negativa ou pejorativa, mas como uma esfera gigante de realidade, impossível de estudar com métodos simples de análise e senso comum. Portanto, sobre este tema a doutrina tradicional não contesta as sagazes conclusões do liberal Popper, mas concorda com ele, porém apontando na direção oposta. A Tradição é baseada no conhecimento supra-intelectual, o ritual iniciático que provoca a fratura de consciência, sobre as doutrinas expressas nos símbolos. O intelecto discursivo tem apenas valor auxiliar, e não reveste nenhum significado decisivo. O centro de gravidade da Tradição é colocado dentro de uma área não somente não-racional, mas também não-humano; e não se trata da bondade da intuição, da previsão ou dos pressupostos, mas da confiança da particular experiência iniciática.

O irracional, desmascarado por Popper como o ponto focal da doutrina dos "inimigos da sociedade aberta", é em verdade o eixo do Sagrado, o centro e a base da Tradição. Sendo este o caso, as diversas ideologias antiliberais, incluídas as ideologias revolucionárias "de esquerda" - devem ter uma relação com a Tradição.

Agora, se isso parece óbvio no caso das ideologias de "extrema direita", hiperconservadoras, é problemático no caso das ideologias de "esquerda". Já tocamos no assunto tratando do o conceito de "bolchevismo". Mas aqui nos deparamos com outra questão: as ideologias revolucionárias anti-liberais, incluindo o comunismo, o anarquismo e o socialismo revolucionário, propagam a destruição radical não apenas das relações capitalistas, mas também das instituições tradicionais (monarquia, igreja, organizações religiosas ...) Como combinar este aspecto do anti-liberalismo com o tradicionalismo? Significativamente, o próprio Evola (e até certo ponto Guénon, embora isso não se possa afirmar sem dúvida, uma vez que o seu comportamento nas confrontações da "esquerda" nunca foi explícito) negou qualquer carácter tradicional às doutrinas revolucionárias, considerando-as como a expressão máxima do espírito contemporâneo, da degradação e da decadência, mesmo quando a experiência pessoal de Evola teve períodos, especialmente os primeiros e os últimos, durante os quais expressou opiniões niilistas, anarquistas, tendo como única resposta positiva o "Cavalgar o Tigre" o que quer dizer fazer causa comum com as forças da decadência e do caos, a fim de superar o ponto crítico da "decadência ocidental". Mas aqui nós não vamos lidar com a experiência histórica de Evola enquanto figura política. Em seu lugar importa ressaltar como em seus escritos políticos, também inclusive em seu período intermediário, de máximo conservadorismo, vem acentuada a necessidade de fazer apelação a qualquer Tradição esotérica, caso que, em geral, não se encontrava alinhado com os modelos monárquicos e clericais predominantes entre os conservadores europeus que com ele tiveram contatos políticos. Não se trata apenas de seu anti-cristianismo, mas seu interesse na Tradição tântrica e no budismo, que no contexto do conservadorismo tradicional hindu são considerados heterodoxos e subversivos. Por outro lado, são absolutamente escandalosas as simpatias de Evola por personagens como Giuliano Kremmerz, Maria Naglovska e Aleister Crowley, que foram localizados por Guénon entre os representantes da "Contra-Tradição", entre as tendências negativas e destrutivas do esoterismo.

Assim, se constantemente Evola se posiciona na "ortodoxia tradicional" e critica violentamente doutrinas subversivas de esquerda, ao mesmo tempo fez um apelo a uma heterodoxia evidente. Fato significativo foi o reconhecer-se entre os seguidores do "caminho da mão esquerda." E aqui chegamos a um ponto especificamente relacionado com a metafísica do nacional-bolchevismo. De fato, paradoxalmente, vemos como se combinam não somente duas tendências políticas opostas ("direita" e "esquerda"), e não apenas dois sistemas filosóficos, dos quais um é, à primeira vista, a negação do outro (o idealismo e o materialismo), mas mesmo duas tendências no coração da Tradição, o positivo (ortodoxo) e o negativo (subversivo). No caso específico, Evola é um autor importante, no qual se observa uma certa discrepância entre sua doutrina metafísica e suas convicções políticas, baseadas, segundo nossa opinião, em certos preconceitos difíceis de se expurgar, típicos dos círculos políticos da extrema-direita “centro-européia” contemporânea.

Neste livro magnífico sobre o tantrismo que é "Lo Yoga della Potenza", Evola descreve a estrutura iniciática das organizações tântricas (Kaula) e sua hierarquia típica. Essa hierarquia se mostra verticalmente na postura frente a própria hierarquia sagrada, característica da sociedade indiana. O ritual tântrico (como a própria doutrina budista) e a participação em suas iniciações traumáticas comportam de certa forma o cancelamento de todas as estruturas políticas e sociais comuns, assegurando que "quem percorre o caminho mais curto não necessita de apoio externo." Para os fins tântricos não tem importância nenhuma ser um brâmane ou um chandala (representante das castas mais baixas). Tudo depende do cumprir as complexas operações iniciáticas e da autoridade da experiência transcendente. O Tantra é uma espécie de “sacralidade de esquerda”, fundada na convicção da insuficiência, da degeneração e do caráter alienado das instituições sacrais ordinárias. Em outras palavras, o esotérico de "esquerda" se opõe à "direita" esotérica, não enquanto negação, mas por causa de uma particular afirmação paradoxal versada sobre o caráter autêntico da experiência e sobre o caráter concreto da auto -transformação. É evidente que nos encontramos de frente com esta realidade do esoterismo “de esquerda” no caso de Evola e daqueles místicos que estão na origem das ideologias socialistas e comunistas. A crítica destrutiva evoliana à Igreja não é uma mera negação da religião, mas sim uma particular forma estática do espírito religioso que insiste sobre a natureza absoluta e concreta da auto-transformação “aqui e agora”. O fenômeno dos "Velhos Crentes", as auto-imolações de "kristis", caem na mesma espécie. O próprio Guènon, em um artigo intitulado "O Quinto Veda", dedicado ao tantrismo, escreve que em determinados períodos cíclicos, perto do final da Kali-Yuga, as instituições tradicionais perdem sua força vital, e portanto a auto-realização metafísica deve assumir métodos e vias novas, não-ortodoxas; esta é a razão pela qual existindo apenas quatro Vedas, a doutrina tântrica seja chamada “o quinto Veda”.

Em outras palavras, a medida em que as instituições tradicionais conservadores decaem (no caso da monarquia, igreja, instituições sociais, castas, etc), sempre assumem um papel de primeiro grau aquelas práticas iniciáticas particulares, arriscadas e perigosas, ligadas ao "caminho da mão esquerda." O tradicionalismo característico do nacional-bolchevismo, na sua maioria em geral é de "esquerda esotérica", que copia em sua substância os princípios do "Kaula" tântrico e da doutrina da "Transcendência destrutiva." O racionalismo e o humanismo de estampa individualista golpearam de morte a aquelas instituições do mundo contemporâneo que nominalmente se afirmam “sacras”. A restauração da Tradição em suas proporções reais segundo a via da melhoria gradual das condições existentes, é impossível. Além disso, todo apelo á evolução e à gradualidade só pode levar à disseminação do liberalismo. Por conseguinte, a lição de Evola para o nacional-bolcheviques é enfatizar os elementos diretamente ligados às doutrinas da "mão esquerda", à realização espiritual traumática na esperança concreta de transformação e revolução dos usos e costumes que perderam toda justificativa de ordem sagrada.

Os nacional-bolcheviques entendem o "irracional" não apenas como "não-racional", mas como "destruição ativa e agressiva do racional" como uma luta contra a "consciência quotidiana" (e contra o “comportamento quotidiano”), como um mergulho no elemento da "Nova Vida", aquela particular existência mágica "do homem diferenciado", que rejeitou qualquer proibição e norma externa.

Terceira Roma, Terceiro Reich, Terceira Internacional

Duas únicas variantes teóricas dos "inimigos da sociedade aberta" foram capazes de derrotar temporariamente o liberalismo, o comunismo russo (e chinês), e o fascismo europeu. Entre esses dois extremos se colocaram os nacional-bolcheviques, expoentes de uma oportunidade histórica única que não viu a luz, sutil formação de políticos clarividentes, forçado a agir à margem do fascismo e do comunismo, condenados a assistir ao fracasso de seus esforços políticos e ideológicos em favor da integração.

No Nacional-Socialismo alemão prevaleceu a nefasta e quebrada linha católico-bávara de Hitler; enquanto os soviéticos, refutaram teimosamente as motivações místicas inerentes à sua ideologia, dessangrando espiritualmente e castrando intelectualmente o bolchevismo.

O primeiro a cair foi o fascismo, em seguida, veio a vez da última cidadela antiliberal: URSS. À primeira vista, o ano de 1991 marca o encerramento do encontro geopolítico com Mammon, o Anjo cosmopolita do capitalismo. Mas, simultaneamente, torna-se claro como o Sol não somente a verdade metafísica do nacional-bolchevismo, mas também a justiça histórica absoluta de seus primeiros representantes. Só o discurso político dos anos 20 e 30 do século XX que havia conservado sua atualidade se encontrava nos textos dos eurasianos russos e dos revolucionários-conservadores “de esquerda” alemães. O Nacional-bolchevismo é o último refúgio dos "inimigos da sociedade aberta", a não ser que eles não queiram persistir em suas doutrinas superadas, historicamente inadequadas e totalmente ineficazes. Se a extrema-esquerda rechaça ser o apêndice banal e oportunista da social-democracia, se a extrema-direita não quer ser usada como terreno de recrutamento, como facção extremista do aparato repressivo do sistema liberal, se os homens que possuem sentimentos religiosos não encontram satisfação nos miseráveis sucedâneos moralistas ofertados por sacerdotes de cultos imbecis ou em um pseudo-espiritualismo primitivo, então somente lhes resta uma via: o Nacional-Bolchevismo.

Do outro lado da "direita" e "esquerda", há uma revolução una e indivisível, que está contida na tríade dialética: "Terceira Roma - Terceiro Reich - Terceira Internacional"

O reino do nacional-bolchevismo, "Regnum", o Império do Fim; eis aqui o perfeito cumprimento da maior revolução da história, enquanto continental e universal. Falamos do retorno dos anjos, a ressurreição dos heróis, da insurreição dos corações contra a ditadura da razão. Esta Última Revolução é tarefa do Acéfalo, o portador sem cabeça da Cruz, Foice e Martelo, coroado pelo Sol da Suástica Eterna.


Tradução por Raphael Machado


Fonte: Legio Victrix

2 comentários:

  1. Essa gnose vermelha do nacional bolchevismo tem algo a ver com a sabedoria hiperbórea? vc poderia me indicar algum livro do Dugin (ou de outro autor) que trate do misticismo no nacional bolchevismo? Obrigada.

    ResponderExcluir
  2. Não. Não tem nenhum livro do Dugin em inglês e português q fale especificamente sobre isso, pois ele não aborda o Nacional Bolchevismo mais, preferindo falar sobre a Quarta Teoria Politica e Eurasia. Quem costuma tratar de misticismo junto ao Nacional Bolchevismo é o autor Peter Wilberg. Tem alguns textos dele aqui no blog.

    ResponderExcluir